Você
provavelmente já ouviu esta história: “As mulheres não usavam calças, até
que veio a guerra e as obrigou a ocupar os postos de trabalho nas fábricas. Foi
um caso de necessidade. Não foi nada muito revolucionário”.
Por
esta visão romântica, a moda nada teve a ver com a introdução desta peça no
guarda-roupa feminino - quase como se todas as mulheres da época houvessem
pensado juntas: “vamos usar as calças de nossos maridos para assim
trabalharmos melhor”. Além de romântica, é uma visão marxista da história,
que tem por método explicar as mudanças como consequências diretas de
fatores econômicos e/ou materiais. Cria-se a errônea impressão de que ninguém
havia pensado no assunto antes, e apenas depois que as mulheres foram para as
fábricas é que as primeiras calças femininas foram lançadas no mercado.
A calça no guarda-roupa feminino: mudança de mentalidade
Felizmente,
alguns estudos sobre moda nos mostram que a introdução da calça no
guardar-roupa da mulher possui uma trajetória complexa, que vem desde o século
XIX (mais expressivamente) [1]. De fato, houveram alguns esforços
bastante pontuais neste quesito, e se a mulher não usa, digamos, uma calça
desde há muito tempo, é porque as mentalidades ainda não
estavam preparadas para isso. A calça se estabeleceu – é difícil precisar
quando – como uma roupa de homem – e durante muito tempo seu uso esteve
atrelado à alguma outra indumentária que caía por cima das
coxas [2].
No
caso do homem, porém, há uma grande diferença no uso, pois a calça não é capaz
de delinear suas partes desonestas [região íntima], enquanto na mulher
é precisamente isto o que acontece: a peça encaixa-se perfeitamente nas suas
vergonhas. A calça é igualmente aderente aos quadris e coxas, que são
consideradas partes sexualmente atraentes. Uma parte significativa das culturas
orientais, por exemplo, em que se costuma dizer pretensamente que a mulher usa
“calças” -como a cultura japonesa ou indiana – admitiu o uso desta peça para as
mulheres apenas por baixo de longas túnicas ou vestidos, de modo que
grande parte da calça fica, na verdade, oculta.
Olhando
a história da calça para a mulher, na cultura ocidental, vemos que sua origem
está na cultura protestante, que por sua vez, buscou inspiração numa peça turca
– em outras palavras, muçulmana [3]. Engraçado é que hoje, quando a
mulher católica defende o uso somente de saias, é acusada de “protestante” ou
de estar promovendo a “burka” [sic]. Na verdade, a história e a verdade estão
ao nosso favor: quem primeiro promoveu a calça foram mulheres protestantes e
feministas [da Inglaterra e dos Eua], que estavam propondo uma vestimenta de
muçulmanas! Infelizmente, pessoas sem qualquer conhecimento, saem por aí
repetindo mantras semelhantes quando na verdade, se trata de uma
manobra da Revolução para esconder a real origem das coisas [é só
lembrar da "ofensa" de puritanos: primeiro usada pelos nazistas para
denegrir católicos que eram contra a roupa de banho imoral dos
alemães!]. Entra aí um pecado de espírito… pois, embora ninguém saiba ao
certo destas informações, sabem acusar perfeitamente de modo que continuam
colaborando com o mal. [Sobre este assunto, estou preparando uma análise mais
completa e ilustrada, mas confiram a nota para ver imagens].
Mais
relevante seria uma abordagem deste assunto que tomasse como ponto de
partida a mudança nas mentalidades e costumes, para assim
compreendermos melhor como a mulher ocidental – que passou quase 20 séculos sem
usar calças – aderiu à esta peça, a ponto da calça ocupar o
lugar central no seu guarda-roupa nos nossos dias. Neste curto
artigo não teremos a pretensão de cumprir com o desafio de desenvolver um
estudo sobre a introdução da calça no guarda-roupa feminino, mas apenas pontuar
alguns aspectos relevantes do tema na década de 40. Com isto, procuramos,
contudo, privilegiar o que nos interessa para a modéstia cristã.
A mulher e as calças nos anos 40
No início dos anos 40, calças e macacões para mulheres
Uma das perguntas que as mulheres costumam fazer quando são confrontadas com o tema da calça feminina X modéstia, é “quando foi que as calças começaram a ser confeccionadas realmente para as mulheres”. Elas são movidas em direção a este questionamento devido a um terrível mito que têm se espalhando, cuja autoria não é possível determinar, mas que consiste basicamente no seguinte: se alguns padres ou pessoas dignas falaram mal das calças nos anos 40, 50, 60, é porque “naquela época ainda não havia calças femininas [sic], razão pela qual a mulher realmente ficava masculinizada, gerando a crítica dos sacerdotes”.
Os modelos femininos de calças: uma investida da
moda moderna, desde a primeira década do século XX
Na
verdade, costuma-se dizer que o primeiro modelo de “calças femininas” foi
lançado em 1909, por Paul Poiret, conhecido como “calça odalisca”. [4] Antes
disso, porém – por volta de 1890 – já se tem conhecimento de mulheres no campo
que usavam calças, para pedalar bicicletas. De qualquer forma, falemos dos
esforços da moda que desde o início do século XX – e portanto, de acordo com
seus próprios interesses – procurava lançar a “calça feminina”. Com a Primeira
Guerra Mundial, algumas mulheres já começavam a ocupar os postos das fábricas –
algo que se intensificou na Segunda Guerra – , mas ao contrário do que se
poderia pensar, os modelos de calças para mulheres lançados nesta época
eram, na sua maioria, calças de passeio, visando atender uma
vida feminina mais livre: a mulher agora tinha “uma dose maior de
independência, liberdade para circular sozinha pelas ruas e participar de
atividades esportivas”.[5] Nos anos 20, ninguém traduziu melhor
este sentimento do que a estilista Coco Chanel.
Mais
do que um pretenso caso de necessidade por conta do trabalho, a calça no
guarda-roupa feminino começou a se estabelecer graças a um novo espírito de se
pensar na mulher; graças a uma nova concepção do que a mulher poderia fazer com
o tempo que tinha disponível – festas, passeios, clubes, esportes… as roupas,
então, visavam estimular este novo estilo de vida, bem diferente do que sempre
se concebeu para a mulher, cuja ocupação central era ser mãe, esposa e
dona-de-casa. Nos anos 20, a calça de Chanel para passeio, inspirada nos
marinheiros, foi aderida por muitas mulheres influenciadas pelas atrizes
famosas. O livro “Fashion of a decade: the 1930′s ” [6], traz: “Pants
had been worn by the more avant-garde fashion-conscious woman in the late
1920s, but by the thirties, they were more acceptable and more widelyadopted.”
[Calças haviam sido usadas pelas mulheres mais "antenadas e conscientes da
moda" nos anos 20, mas nos anos 30 elas eram mais aceitáveis e mais
amplatemente adotadas.]
Em
certo sentido, costuma-se também dizer que a calça no guarda-roupa feminino se
estabeleceu graças à “pressão feminista”, mas precisamos ter em mente que
este não é o movimento feminista que tendemos a pensar, com mulheres
saindo nas ruas, com placas nas mãos, completamente panfletárias. É
claro que há muitas coisas em comum entre Coco Chanel e Margareth Sanger, mas
não se trata de dizer que as mulheres na primeira metade do século XX
estavam todas divididas em feministas e não-feministas, cabendo às primeiras o
uso de calças. Como foi dito, era uma questão de mentalidade – uma questão
profunda, que pode começar nos meios ideologizados e acadêmicos, mas que
termina por afetar toda a sociedade.
Mulheres e o uso de calças na década de 40
É
através de todo este panorama que procuramos responder a pergunta inicial
[quando as calças femininas começaram a surgir?], unicamente
porque desejamos difundir esta verdade: em certo sentido, as
tais ”calças femininas” (se entendemos com isto a peça feita especialmente
para a mulher) estiveram por aqui desde que as mulheres começaram a usá-las.
Não, não foram preciso décadas até que algum modista tivesse
a ideia de lançar uma calça no formato do corpo feminino. Seria justo
dizer que a calça masculiniza não porque algumas mulheres na década de 40 de
fato usavam as peças de seus maridos, mas sim porque a calça, numa mulher, não
pode ser dissociada do fato de que culturalmente foi uma peça estabelecida para
o homem. Mais do que isso: ela retira de cena o formato que sempre – apesar das
variações de tamanho, forma, volume – esteve atrelado à mulher, que seria a
saia ou vestido.
A calça para mulher
é masculinizante por sua própria concepção
É
bastante comum encontrar, entre os textos de bispos, padres e pessoas piedosas
do século XX [especialmente até meados da década de 70], a referência à calça
para mulher como sendo uma “roupa de homem”. O Cardeal Siri, nos anos 60,
escreveu um documento sobre o assunto [7], em que condena as
mulheres que usam tais “roupas de homens”, esclarecendo que estas são as calças
masculinas.
Esta
crítica não significa que as mulheres, e ainda mais nos anos 60 [quase 20
anos depois do fim da Guerra], usavam literalmente as calças da seção
masculina. “Calças masculinas, traje de homem“: são
maneiras de se referir ao uso da calça – independente de como ela fosse –
por parte da mulher. Nos anos 40, de fato as mulheres fizeram uso do uniforme
masculino nas fábricas – mas como vimos, esta não foi a única realidade. A
moda, que vinha desde os anos 20 lançando calças “despojadas” para as mulheres
usarem no dia-a-dia, ofereceu uma infinidade de modelos de calças “femininas”
nos anos 40, para diversas ocasiões. Haviam calças de noite, de festa, de
clube, de jogar tênis, de trabalho…
Acima, vestidos típicos dos anos 40. Abaixo,
calças do mesmo período. Comparem e percebam como a calça delineia o corpo da
mulher, mesmo sendo um modelo relativamente “folgado”.
Percebam também como a calça, para ser coerente,
precisa dispensar todos os adereços que completam a mulher em sua feminilidade:
acessórios para o cabelo, luvas, etc.
O livro “Fashion by Decade: The 1940′s“ [8] traz que [por volta de 1941], “a calça já havia se tornado uma peça aceitável para a mulher“. Era aceitável do ponto de vista da sociedade em geral, o que não significa que não houve críticas e resistência. Muitas foram as mulheres que se recusaram a usar calças, e que faziam campanha para evitar seu uso… mas do ponto de vista da mentalidade da época, já estava estabelecido. No entanto, os sacerdotes continuaram a condenar o uso da calça para a mulher… basta lembrar de São Pio de Pietrelcina, que faleceu em 1968: ele negava comunhão à mulheres de calças, e as expulsou sistematicamente de seu confessionário. O que ele diria do nosso atual uso de calças, que piorou bastante e está cada vez mais imoral?
A separação entre os ditos “modelos masculinos e femininos” de calças sempre foram uma linha tênue.
As pessoas costumam usar o argumento de que os modelos de calças masculinos são rigorosamente distintos dos modelos femininos. Hoje, quando vemos que tantos homens e mulheres usam skinny, saruel, cargo, etc., temos de reconhecer que se trata da mesma calça – mas como não se trata do mesmo corpo, há mudanças pouco significativas no que diz respeito ao ajuste à forma. Abaixo, a chamada pantalona, bastante popular na década de 40:
E abaixo, o mesmo modelo de pantalona, nos anos 40, para homens.
Como puderam ver, basta se debruçar de fato em como as coisas se deram, para derrubar alguns mitos envolvendo este costume para a mulher: eis a importância de saber a origem das coisas…
Fiquem com Deus e continuem acompanhando a Semana Especial!
P.S.:Vida Real
Durante as minhas pesquisas, encontrei um flickr onde uma moça disponibilizou uma foto de sua mãe de calças em 1947, com a seguinte nota:
“Nos
anos 50, minha mãe não gostava de me pegar na escola; ela esperava-me a um
quarteirão de distância. Por que? Porque ela insistia em usar calças, e as boas
freiras do São Francisco Xavier a desencorajavam a esperar na porta da escola.”
Notas
[1] Conferir: Enciclopédia da Moda. por Georgina O’Hara Callan, 2007.
[2] Exemplo de idumentária masculina, do século XVIII, com Luís XV, Rei da França, usando calças:
[3] Elizabeth Smith Miller e Amelia Bloomer. Sufragistas e feministas que defendiam voto para mulher e coisas do gênero. A primeira criou a peça [a calça bloomer, que deveria ficar embaixo de uma saia]; a segunda é a que de fato fez a introdução do uso, daí o nome ser atribuído à ela.
A proposta da “calça” feminista e protestante começou assim. Mas como a “Guru” não estipulou a medida mínima da saia, obviamente [como acontece onde a imodéstia reina], a saia foi subindo, subindo… acompanhe um pouco da evolução:
Até,
que descambou no traje ainda mais masculino, abaixo [Acreditem: é uma mulher, e
protestante]:
[4] Por favor, lembrem-se do que é uma “odalisca” e da carga de sensualidade que envolve o imaginário de uma. Eis o modelo da calça:
[6] Fashion of a decade: the 1930′s. Maria Constantino.
[7] Cardeal Siri. Notificação concernente às mulheres que vestem roupas de homem. 1960.
[8] Fashion By Decade: The 1940′s. Patricia Baker
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