DESTAQUE
Refere São João que se
ajuntaram os pontífices e os fariseus em conselho e diziam: Que fazemos nós?
Este homem faz muitos milagres; se o deixamos assim livre, todos crerão nele.
Minha alma, deixa
Judas, e fixa em ti mesma os teus pensamentos. Dize-me, por que preço vendeste,
tu mesma, tantas vezes a graça divina ao demônio?
*** * ***
Conselho dos Judeus e
traição de Judas - Santo Afonso Maria de Ligório
Expedit
vobis, ut unus moriatur homo pro populo, et non tota gens pereat — “Convém que
morra um homem pelo povo e que não pereça toda a nação (Io. 11, 50).
Tendo os iníquos pontífices decretado a morte de Jesus Cristo, tiveram grande
satisfação ao ver que Judas, um dos discípulos, se oferecia a traí-Lo e
entregar-Lho nas mãos. O Senhor conhece perfeitamente a felonia de Judas e,
todavia, não deixa de tratá-lo como amigo na mesma forma que d´antes; olha-o
com benevolência, não recusa a sua companhia e chega a prostrar-se-lhe aos pés
para os lavar. Ó inefável benignidade! Que belo exemplo para nós, se o
quisermos aproveitar!
I. No mesmo
tempo em que Jesus andava derramando graças e fazendo milagres para benefício
de todos, reúnem-se os primeiros personagens da cidade de Jerusalém, a fim de
tramarem a morte do Autor da vida. Refere São João que se ajuntaram os
pontífices e os fariseus em conselho e diziam: Que fazemos nós? Este homem faz
muitos milagres; se o deixamos assim livre, todos crerão nele. Mas um deles, por nome Caifás,
respondeu que lhes convinha que um homem morresse pelo povo, e não perecesse a
nação toda. “E desde aquele dia”, diz o mesmo São João, “pensavam em como
haviam de o fazer morrer.” — Ah, Judeus! Não temais; vosso Redentor não fugirá,
porquanto veio à terra exatamente para morrer, e pela sua morte livrar-vos a
vós e a todos os homens da morte eterna.
Entretanto,
Judas apresenta-se aos pontífices e diz: Quid vultir mihi dare, et ego vobis
eum tradam? (1) — “Que me quereis dar, e eu vo-Lo entregarei?” Oh! Que alegria
deviam sentir os Judeus, pelo ódio que devotavam a Jesus Cristo, ao verem que
um dos seus discípulos o queria trair e entregar-Lho nas mãos! Consideremos nisso o júbilo que, por assim dizer, reina no inferno,
quando uma alma, depois de servir a Jesus Cristo por muitos anos, vem a traí-Lo
por qualquer miserável bem ou vil satisfação.
Mas, ó
Judas, já que estás resolvido a vender o teu Deus, exige pelo menos o preço que
Ele vale. É um bem infinito, merecedor, portanto, de um preço infinito. Porque,
pois, concluis o negócio por trinta dinheiros? At illi constituerunt ei
triginta argenteos (2) — “E eles prometeram-lhe trinta dinheiros de prata”. — Minha alma, deixa Judas, e fixa em ti mesma os teus pensamentos.
Dize-me, por que preço vendeste, tu mesma, tantas vezes a graça divina ao
demônio?
Ah, meu
Jesus, quantas vezes Vos virei as costas, e a Vós preferi um capricho, um
empenho, um prazer passageiro e vil! Sabia que, pecando, perdia a vossa amizade
e voluntariamente a troquei por um nada. Tivesse morrido antes de fazer-Vos tão
grande ultraje! Ó meu Jesus, arrependo-me de todo o coração e quisera morrer de
dor.
II.
Contemplemos agora a benignidade de Jesus Cristo, que, sabedor do ajuste feito
por Judas, contudo, vendo-o, não o repele de si, nem o olha com maus olhos;
admite-o em sua companhia, e ainda à sua mesa; repreende-o pela sua traição com
o único intuito de chamá-lo à resipiscência; e vendo-o obstinado, chega a
prostrar-se diante dele e a lavar-lhe os pés para desta arte o enternecer.
Ah, meu
Jesus, é assim também que fizestes comigo. Eu Vos desprezei e traí, e não me
repelis; não deixais de olhar-me com amor, e me admitis à vossa mesa da santa
comunhão. Meu amado Salvador, nada mais podeis fazer para me obrigar a Vos
amar. E eu terei ânimo de continuar a ofender-Vos e pagar-Vos com a minha
ingratidão? Não, meu Deus, não quero mais abusar da vossa misericórdia.
Agradeço-Vos a luz com que me iluminais e prometo que mudarei de vida. Vejo que
já não me podeis suportar mais tempo. Porque, pois, esperarei até que Vós mesmo
me mandeis ao inferno, ou me abandoneis em minha vida de perdição, castigo este
maior do que a própria morte?
Meu Jesus,
eis que me prostro aos vossos pés. Peço-Vos perdão das ofensas a que Vos fiz e
rogo-Vos que me recebais em vossa graça. Quem me dera poder recomeçar os anos
passados; quisera empregá-los unicamente em vosso serviço, ó Senhor meu. Os
anos, porém, não voltam mais; por piedade, fazei ao menos que empregue o que me
resta de vida, unicamente em amar-Vos e fazer que outros também Vos amem. — Ó
grande Mãe de Deus e minha Mãe Maria, socorrei-me com a vossa intercessão, pedi
a Jesus que me faça todo seu. Peço-vos esta graça pela parte que tomastes na
Paixão de vosso divino filho. (I 603.)
----------
1. Matth.
26, 15.
2. Matth.
26, 15.
(Santo
Afonso Maria de Ligório. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo
Primeiro: Desde o primeiro Domingo do Advento até Semana Santa inclusive.
Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 377-379.)
Fonte: Blog São Pio V
Nenhum comentário:
Postar um comentário