quarta-feira, 6 de agosto de 2014

São João Bosco, entre a surra e um aviso de morte



DESTAQUE

“Se Nossa Senhora favorece tanto este mísero corpo, quantas graças não concederá para a alma de quem A invoca. Se todos fossem devotos de Nossa Senhora, que felicidade reinaria sobre a terra, embora esta ainda se chame vale de lágrimas”. (jovem Luiz Comollo).


*** * ***





Raphael de la Trinité


Entre os seus colegas de ginásio, achava-se Luiz Comollo.

Eis o que escreve São João Bosco a respeito:

No início do ano letivo de 1835 (quando frequentava as escolas da cidade de Chieri), da boca do dono da pensão onde estava hospedado, ouvi que ali chegaria um estudante santo. Eu me ri, incrédulo. Mas, o bom homem da hospedaria acrescentou: ‘É verdade, é um jovem de grandes virtudes, sobrinho do pároco de Cinzano’. Pois é, a fama de Comollo chegara a Chieri, primeiro do que ele. O rapaz, avesso a louvores e amante da humildade, vivia silencioso, com a atenção voltada unicamente para os estudos. Mas o seu comportamento impressionou logo ao estudante João Bosco, um futuro apóstolo da juventude e que tinha olhos perspicazes.

Desde os primeiros dias (escrevia João Bosco), eu vi o estudante, do qual sabia apenas o nome. Recatado na pessoa, modesto no andar pelas ruas, e muito afável, cortês com os que lhe falavam. Fiquei admirado. Crescei a minha surpresa quando notei a exatidão com que cumpria seus deveres e a pontualidade com que chegava à escola, onde procurava logo o seu lugar.
Se os companheiros o convidavam para tomar parte em folias, respondia que lhe faltava jeito e destreza. Certo dia recebeu ameaças e insultos (porque não quis entrar numa brincadeira de mau gosto...). Recebeu, então, uma bofetada.

Vendo isso, D. Bosco gritou: Ai de vós! Ai de quem ofender a este! Mas nem a mim respeitaram os grandalhões mal educados, e caíram sobre Comollo os bofetões. Naquele momento venceu em mim a força sobre a razão. Não tinha â mão nem porrete nem cadeira; agarrei um colega e fiz dele uma arma. Derrubei quatro. Os demais fugiram, gritando e pedido compaixão, misericórdia...(p. 33-36).

Luiz Comollo repreendeu a D. Bosco pela intervenção que fizera a seu favor. A partir daí, tornaram-se ambos grandes amigos.

Mais tarde, estabeleceram um pacto: aquele que morresse, viria avisar ao outro se teria ou não sido salvo.

Na madrugada de 2 de abril de 1839, Luiz Comollo, ao entrar em agonia, pareceu surpreendido como diante de uma maravilhosa visão, enquanto a alma se separava do corpo, voando para a paz do Senhor.

Na noite de 3 para 4 de abril, dia seguinte ao do enterro, D. Bosco relata:

 “Não podia conciliar o sono. Pensava na promessa, como pressagiando o que devia acontecer. Encontrava-me presa de espantosa emoção. À noite, ouviu-se um como ruído ao fundo do corredor, ruído este que ia aumentando e aproximando-se ameaçador. Parecia um carro puxado por muitos cavalou ou um trem de ferro e quase o disparo de um canhão. Formava um complexo de fragores tão vibrantes, que incutia grandíssimo pavor, cortando a palavra de quantos o ouvissem. Enquanto se aproximava da porta do dormitório, deixava após si ecoar as portas, janelas e o pavimento do corredor, como se fossem lâminas de ferro vibrando fortemente. Notava-se claramente o avanço, mas deixava a incerteza de um vapor que sobe, sem se saber ao certo onde está o fogo. Com aquele espantoso rumor, todos os seminaristas do dormitório despertaram em sobressalto, mas ninguém disse palavra. Eu jazia petrificado de terror. O rumor avançava sempre, mais espantoso. Avizinhava-se do dormitório. De repente, a porta se escancara violentamente. O rumor prossegue sempre mais veemente, mas nada se enxerga, a não ser uma vaga luzinha de várias cores, que parece orientar aquele som. Súbito, faz-se silêncio. A luz brilha mais vívida e ouve-se distintamente a voz de Comollo, mais fraca do que quando era vivo. Fala três vezes: ‘Bosco, estou salvo”.

Naquele instante o dormitório se iluminou feericamente e ouviu-se um rumor ainda mais violento que o primeiro, semelhante a um raio-trovão que destruísse a casa. Depois cessou, desaparecendo todas as luzes. Enquanto isso, os companheiros saltaram da cama, fugindo aterrados. Meteram-se alguns nos ângulos do dormitório, procurando amimar-se mutuamente. Outros se refugiaram ao redor do assistente, padre Fiorito. Assim passou a noite e ansiadamente se aguardou o alívio da aurora. Todos ouviram o ruído e muitos, também a voz, embora sem entender o significado. Interrogaram-se, reciprocamente, sobre o rumor daquela misteriosa voz. Eu, João Bosco, deitado na cama, recomendava que se tranquilizassem, pois ouvira distintamente aquelas palavras, três vezes, ‘estou salvo’.

Sofri, porém, imensamente. O meu assombro foi tal, que eu teria preferido morrer. E me recordo: foi a primeira vez que tive medo. Daqui principiou uma doença que me levou à beira da sepultura. Como é terrível para o homem colocar em relação as coisas naturais com as coisas sobrenaturais. Não procuremos mais provas da existência da alma. Bastam aquelas que Cristo nos revelou.(p. 104-106).

*** * ***

Falando de Nossa Senhora, D. Bosco via Comollo comovido de filial ternura para com ela. Depois de haver ouvido algum favor concedido pela Virgem ao corpo, dizia, comovido: “Se Nossa Senhora favorece tanto este mísero corpo, quantas graças não concederá para a alma de quem a invoca. Se todos fossem devotos de Nossa Senhora, que felicidade reinaria sobre a terra, embora esta ainda se chame vale de lágrimas”.

Tratar e falar de tais assuntos comigo (escrevia D. Bosco), causava-lhe imensa consolação. Referia-se com euforia ao grande amor de Jesus em dar-Se a nós em alimento na comunhão. Aconselhava os seus amigos a empregar utilmente o tempo e a frequentar os sacramentos. Avisavam-se reciprocamente para se corrigirem dos defeitos. Assim fazendo, animavam-se a progredir na perfeição cristã e na constância e na prática de todas as virtudes.(p. 40-41).


(cf. O Anjo de Cinzano, Vida de Luiz Comollo, Fidelis Dalsin Barbosa — baseada na biografia de Eugenio Pilla —, Edições Paulinas, 1962, São Paulo, SP, 110 p.). 

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